Sinta e se deixe sentir…

Vinha há algum tempo tentando entender porquê os americanos ficavam tão interessados quando começavam a sair comigo e depois de pouco tempo acabavam se afastando, sem nenhuma justificativa aparente. Discutia muito isso com uma amiga e já havia concluído que o medo deles é justamente o fato de que gostar de alguém representa um sério risco da não realização dos planos de vida que eles têm desde que nascem: se formar na High School, entrar numa boa faculdade, arrumar um emprego que pague bem, comprar uma boa casa, viajar, curtir a vida e aí depois dos 30, se já curtiram o suficiente, se já atingiram a tão falada estabilidade financeira, um casamento, um filho e um cachorro podem começar a fazer parte dos planos deles.O medo é tão grande que o pré-requisito \”NO DRAMA\” em sites de relacionamento pode ser visto em boa parte dos perfis. Ser emotivo, falar sobre os sentimentos com alguém com quem você está saindo é um tiro no pé se quiser continuar a ver a criatura. Mas, apesar desses dois anos coletando os dados práticos (e bota prática nisso rs), de algumas conversas com americanos sobre o assunto e de ter no meu íntimo a certeza de que era isso que fazia com que os gringos saíssem correndo da minha intensa brasilidade, nunca nenhum deles justificou de forma convincente a sua fuga, até hoje…    Hoje tive a confirmação dessa minha tese. Hoje consegui finalmente que um americano, com quem saí algumas vezes, me dissesse que estava muito focado nos seus objetivos para investir em um romance. Isso depois de muito já ter investido para sair comigo e até ter tido uma crisezinha de ciúme completamente descabida. É o cúmulo da contradição. Gostar de alguém e não querer estar com a pessoa. É uma grande representação do medo gerado por um individualismo e racionalismo sem tamanho.No entanto, não fiquei brava, afinal de contas eu já sabia. Fiquei na verdade bem aliviada, por todos os outros anteriores a esse. E feliz, porque ao menos um deles conseguiu se justificar, mesmo que desconhecendo seus próprios sentimentos, o que fiz questão de apontar antes de desejar que fizesse o que achava que seria melhor pra vida dele. E alertei, é claro, para que não machucasse a sua alma enquanto buscasse os seus objetivos. Falei com propriedade. Sei bem o que é isso, já estive lá. Fazia planos concretos e ambiciosos, ia atrás e conseguia quase tudo o que queria, tinha um individualismo e um ego do tamanho do planeta, mas desconhecia os meus mais íntimos anseios, as minhas mais profundas carências, fazendo com que a minha alma andasse sozinha, se estropiando, caindo e tentando levantar, enquanto eu me perdia num relacionamento extremamente isolado do mundo por não conhecer a mim mesma. E é exatamente assim que ficamos doentes. Foi exatamente assim que passei seis anos tomando remédio controlado e é exatamente por isso que essa sociedade americana, na qual tanto se espelham os brasileiros, tem adoecido. Diabetes, vício em álcool e drogas, depressão, suicídio, as estatísticas são aterrorizantes aqui. E tudo indica que nós, brasileiros, estamos caminhando para o mesmo abismo. Tudo para evitar o \”drama\”. Tudo para não sentir, não se frustrar, não se decepcionar, quebrar a cara e aprender a lidar com aquele sentimento. Sentir dor é sim saudável, é um alerta do corpo, mas não vai doer pra sempre, assim que estiver curado, passa. Como diz minha sábia mãezinha, você não precisa fazer nada com o que sente, só sinta, deixa que passa. Mas não, à primeira frustração já fazemos a fila andar, à primeira tristeza já recorremos a um calmante para não senti-la. Buscamos soluções práticas para o que não é nada objetivo: sentimento. Não deixamos o coração acalmar, curar. Saímos correndo, porque não queremos andar, temos pressa de não sentir e lá se vai a nossa alma, se arrastando atrás da gente, tentando acompanhar e gritando \”pera, porra, não precisa correr assim, tá fugindo do quê?\”. O pior é que a gente tá fugindo é da gente mesmo.É, eu definitivamente vim para a América não só para descobrir a mim mesma, como também para aprender a lidar com os meus sentimentos. A minha enorme São Paulo com todo o seu corre-corre, cheia de gente individualista, ainda não chega aos pés da frieza que os americanos aqui tem para se relacionar. E talvez eu precisasse disso para saber como era ser eu, como era sentir, como era me deixar levar pela vida e deixar as feridas curarem por si só. Outro dia vi o Sr. Francês no trem, aquele do texto Carta de Término. O único por quem realmente me apaixonei aqui nessa terra. O curioso é que um dia antes eu havia passado bem perto da casa dele e me deu vontade de escrever uma carta para dizer tudo que nunca tive a chance de dizer, tudo que senti e não consegui expressar. Não existem coincidências, não é mesmo? Quando cheguei à noite do trabalho eu sabia que tinha que escrever. Passei quase duas horas digitando pouco mais de uma página. O problema não era a língua, mas sim perceber os sentimentos que ainda haviam dentro de mim e expressa-los. Chorei e respirei fundo durante algumas vezes enquanto escrevia. Estranhamente quando acabei me senti aliviada e libertada de tudo que ainda me prendia a ele. Não havia mais raiva, não tinha mais saudade. Posso até dizer que tive um sentimento de pena, sem explicação. Mas sobretudo, não havia mais a necessidade de dizer mais nada. Quando me deixei sentir, finalmente, passou.Não sei se um dia sequer vou entregar essa carta. Ela foi escrita muito mais para mim do que para ele.Venho aprendendo que nem tudo que eu tento entender ou resolver tem explicação ou solução. E se não tem é porque não é pra ter, solucionado está. A vida é bem mais interessante e bonita quando deixamos que ela seja, quando não estamos tentando controlar o que sentimos. Se eu soubesse que era só admitir a mim mesma tudo o que sentia, se tivesse me permitido sentir ao invés de cultivar o orgulho e a racionalidade, teria evitado um bom montante de chocolates, sorvetes e outros quitutes que vinha usando como remédio para ignorar esses sentimentos.Sejamos verdadeiramente saudáveis, sintamos e nos deixemos sentir! 

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