Quão livre você é, mulher?

Nascida no início da década de oitenta no lado ocidental do planeta e vendo quase todas as mulheres ao meu redor trabalhando, demorei para perceber as limitações impostas a elas de forma velada.

Talvez por isso uma rebeldia em relação às desigualdades de gênero sempre fez parte da minha personalidade. Eu não entendia o porquê não podia jogar bola com os meninos, ou porquê era considerada diferente pelas meninas por pedir os meninos em namoro.

Na minha percepção de criança éramos todos iguais, todos livres e dotados do mesmo direito. Até que comecei a ser repreendida pelas minha atitudes espontaneas, muitas na escola, sempre por professoras.

A primeira foi a foto de um casal abraçado numa barraca que colei no meu diário quando tinha 8 anos. Achei bonito o casal se amando em meio à natureza, mas a professora achou obsceno.

Quando tinha 10 organizei um grupo de meninas para tirar satisfações de um menino que as perseguia em todos os intervalos, puxando o cabelo, roubando objetos e fazendo outras coisas incômodas, consideradas como normais aos meninos. Infelizmente elas já estavam com muita raiva quando isso aconteceu e acabaram por agredi-lo. Fui chamada na diretoria e não adiantou justificar o quanto o garoto já havia nos maltratado antes.

Aos 11 incitei uma revolta contra a filha de uma professora que abusava do seu parentesco com uma figura de poder para maltratar outras meninas e sempre se safava. Outra professora isolou o nosso grupo em uma sala e nos obrigou a pedir desculpas para a garota.

Era estranho eu ser repreendida por coisas que eram tão naturais a mim, como expressar a minha opinião e me rebelar contra injustiças. Ficava mais impaciente e revoltada ainda. Mas seguia sendo eu mesma na minha vidinha pré-adolescente. Até que fui trocada pelo primeiro cara que gostei por uma colega do tipo gostosona. Foi então que comecei a me fechar.

Era tudo tão injusto e doloroso que melhor mesmo era não falar nada, não me envolver com ninguém e tentar me encaixar nos padrões. E revistas dizendo como uma menina deveria se comportar, vestir e comer não faltavam.

Apesar de sempre ter sido magra, tive distúrbio de imagem e episódios de bulimia. Passei a ter insônia, a ser super ansiosa e querer controlar tudo: minha aparência, meus pensamentos e principalmente os pensamentos dos outros. Agradar, ou ao menos não desagradar, o outro era inconscientemente a meta.

Somente hoje, aos 38 recém completados , é que percebo o quanto fui oprimida por uma sociedade que diz, desde que nascemos, como a mulher deve ser, cortando as nossas asas, matando a nossa essência!

Vivemos no país das leis, mas é absurdo o quanto ainda somos ignoradas por elas. Porque não importa a lei se quem a interpreta e aplica são pessoas com mentalidades criadas pelo patriarcado, machista, determinista e conservador.

O nosso corpo não é nosso, somos vistas como um objeto! A nossa nudez é uma afronta e nossas roupas curtas depravadas. A anatomia feminina é moldada e avaliada de acordo com o que serve aos outros. Nossos pensamentos não são nossos, não podemos expressá-los, corremos o risco de estarmos sendo chatas, inadequadas, desagradáveis!

Somos julgadas e limitadas o tempo todo!

Será que o quê você pensa de você e como você se vê é realmente o que sente? Quantas vezes se omitiu, deixou de usar uma roupa, não foi a algum lugar, segurou a gargalhada, acreditou que não era capaz de fazer alguma coisa?

Pior: quantas vezes você julgou, questionou e criticou outra mulher sob o mesmo olhar machista com o qual tem sido julgada a sua vida toda?

A masculinidade tóxica, limitante e abusiva é tão forte que é reproduzida entre todos os gêneros como uma herança. Passada de mães e pais para filhos e filhas. E assim mantemos uma sociedade condicionada aos desejos dos homens e que aprisiona o espírito da mulher.

Precisamos refletir todos os dias sobre quem realmente somos e quem queremos ser. Precisamos questionar o julgamento do outro e os nossos. Precisamos, sobretudo, mudar o tipo de herança que estamos deixando para as que virão!

Mulheres nunca serão livres se o olhar da educação continuar a ser diferente entre elas e eles. A pespectiva de igualdade deve ser feita sob o olhar da justiça, dos direitos e da liberdade!

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