E Sou

Meu rosto é exótico, não de um jeito sexy, embora também possa ser. Se você me olhar atentamente para além do que seus olhos querem ver, você observará que um lado é muito diferente do outro. Tenho traços delicados, mas também formas fortes e exageradas. Depende das minhas emoções, do que estou expressando, do que estou sentindo verdadeiramente. Posso ser tão linda quanto um anjo e parecer tão louca quanto o seu inferno mental mais assustador.

Desenvolveu-se dessa forma na minha adolescência. Eu era simplesmente perfeita antes ou o que quer que seja entendido como perfeição. Perfeita o suficiente para intrigar meu primeiro pediatra. Na minha consulta de aproximadamente seis meses de idade, ele não parava de me encarar. Minha mãe ficou preocupada e perguntou “Tem alguma coisa de errado com ela, doutor?”. O médico sorriu e disse: “Eu nunca tinha visto um bebê tão proporcionalmente perfeito”.

Acho que todas as dores que passei na infância em algum momento da minha adolescência dobraram e abalaram minha alma com tanta força que meu corpo quase se dividiu em duas metades diferentes, assim como meu espírito, e fiquei para sempre com a sensação de incompletude. Até esse momento.

Independentemente de todos os motivos pelos quais me parti em dois fragmentos de mim mesma, bullying, crueldade, falta de amor e violência, comecei muito cedo a procurar a outra metade de mim mesma, na maior parte das vezes sem saber as razões ou os meios. Foi só aos trinta e poucos anos, quando estava prestes a me divorciar, que percebi que meu lado esquerdo era consideravelmente mais longo e diferente do direito. No entanto, meu rosto ainda não era visto por mim. Não era reconhecido pela parte que estava reprimindo a outra. Se eu não conseguia ouvir meus sentimentos e emoções, como eu realmente veria quem eu estava escondendo em algum lugar dentro de mim?

Saí do país, deixei minhas referências para trás, encontrei a parte de mim que estava reprimida e a liberei para assumir o controle, para me guiar, às vezes pelos caminhos mais não convencionais, mas peculiares, tal qual sua personalidade. Persistente, corajosa e divertida, tão ela, minha criança interior. Então, me vi novamente na mesma posição, enfrentando o que havia enfrentado antes, o que me fez escondê-la para me proteger. Seu jeito de ser aciona gatilhos em algumas pessoas, pessoas que não têm tudo o que ela é, toda a sua grandeza. Não importava que eu estivesse consciente disso agora. Eu precisava de proteção, precisava do meu outro eu, disciplinado, independente, objetivo, assertivo e forte, a minha adolescente.

Então, percebi que tinha passado a vida tentando encontrar não só a minha outra metade, mas resolvendo as brigas entre elas dentro da minha cabeça, quase como se fossem opostos, como se uma tivesse aparecido porque a outra não era boa o suficiente. “Aqui está, sua outra versão”, disse a minha mente, e junto com ela lá se foi toda a minha vida buscando o equilíbrio, a calma no meio do caos, uma guerra de emoções vinda de uma barragem rompida. Às vezes, sentindo demais ou racionalizando demais para conter as emoções. Como um ser humano comum, consumido pelo controle ou pelo prazer, fui humanamente ignorante ao tentar unir pela mente e pelo coração, o que deve ser pacificado pela alma. Eu estava mais uma vez tentando ser perfeita, forçando o que é natural em mim a ficar longe ou a se aproximar, pela anarquia ou pela tirania, esquecendo constantemente como amar tudo em mim, ambas as partes, deixando-as ser.

Oh Deus, levei apenas quarenta e um anos para amar mais profundamente e sinceramente minhas duas partes e tantas outras que eu possa ter. Realmente não importa mais como eu me dividi em duas, toda a dor e os traumas. Não com o propósito de me sentir eu mesma, de ser por inteira em espírito. Porque sou muito grata por esses lados e pelo que eles me ensinaram. Sou muito feliz pelos lugares onde me trouxeram. Sou muito amada por mim, por causa de todas as minhas singularidades, do meu rosto, do meu corpo e das minhas imperfeições.

É uma sensação estranha e aliviante a de não precisar me definir. O discurso de não me limitar tornou-se transcendental, expansivo e mais real do que jamais pensei que poderia ser. Não me preocupo mais em me explicar para poder ser compreendida. Eu me entendo e isso é mais do que qualquer amor que acreditei ser capaz de me dar. Eu me incentivo, me abraço, me motivo, me ensino, aperfeiçoo minha alma e deixo-a fluir. Eu sou amor e sou quem eu quiser ser. Você vê… eu simplesmente sou!

Leave a Comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.