Na torre tem janela, Rapunzel…

Uma noite dessas estava num bar sozinha tomando um vinho, quando percebi um cara de boné laranja me olhando do outro lado. Ele não me era estranho, eu sabia que o conhecia de algum lugar, talvez de lá mesmo. Perguntei ao gerente, que é meu amigo, se o mocinho era um cliente frequente, ao que ele respondeu que sim. Eu pensei “bom, dúvida tirada, só espero nunca ter falado com ele!\”. Seria um pouco constrangedor ter que dizer ao rapaz que não me lembrava do seu nome ou de qualquer conversa que pudéssemos ter tido, na verdade rs.
Depois de alguns minutos chega o bartender com uma taça de vinho oferecida pelo rapaz. Eu já logo respirei fundo e falei em voz baixa: que merda! Não gosto de aceitar bebidas de estranhos (ou de pessoas das quais não me lembro, no caso), mas sou contra o desperdício rs, então decidi erguer a taça na direção do mocinho em sinal de agradecimento e só. E foi só o tempo de abaixar a taça que o tal se aproximou e se sentou à minha mesa sem ser convidado.
Apesar da conversa fiada que tentava desenrolar, pude perceber uma coisa: a necessidade de uma companhia, nesse caso a feminina. Ele também estava sozinho no bar e logo após perceber que eu não lhe dava a atenção que esperava, saiu e foi conversar com outras duas meninas.
Comecei a pensar na necessidade das pessoas de pertencerem e de terem atenção.
Recebo algumas mensagens de homens, que nem me conhecem, na página do Facebook, mas se aproximam como se eu fosse uma amiga, dizendo \”Oi, tudo bem?\”.
Há uns dois meses atrás anunciei num grupo de What’s up um quarto para alugar no apartamento em que estava morando. Um cara respondeu, foi visitar o apartamento, mas não quis ficar. No entanto, quando estava saindo me contou boa parte da vida dele, dos problemas que vinha passando e, ainda hoje, hora ou outra me manda mensagem me convidando para fazer algo.
Parece mesmo que o sentimento de solidão está muito próximo ao do vazio em muitos casos. São nesses casos que ter alguém pra conversar, na verdade, para se identificar com a sua dor é mesmo muito importante e aparentemente nasci com a frase “converse comigo” escrita na minha testa, de forma que pessoas carentes, de atenção, ou de empatia, conseguem enxergar facilmente.
É mesmo uma lei da atração, por que gosto de escutar as histórias alheias, conversar sobre tudo e fazer os outros sorriem e isso deve ser evidente em mim de alguma forma.
Nunca me esqueço da viagem de ônibus de Extrema à São Paulo em que um cara de 18 anos me contou toda a história do seu namoro, da gravidez da namorada e seus planos futuros. Eu tinha só 9 anos. Lembro da minha avó olhando para o fundo do ônibus a me procurar e quando me viu falando e gesticulando só revirou os olhos e se voltou para frente como quem dissesse “lá está ela, sã e salva, só sendo ela” rs. Eu sinceramente não lembro o que posso ter falado para ele, mas com certeza falei e perguntei muito.
Quando me lembro de momentos assim eu tenho certeza de que quando nasci dei o maior risadão e soltei um \”Cheguei, gentem!\”, bem feliz da vida. O único problema é que os médicos ainda não entendem linguagem de bebês e só me ouviram chorar.
Mas não foram só os médicos que só conseguiam me ouvir chorar. Eu também só consegui me ouvi chorar durante muitos anos. Só consegui sentir as minhas dores, tão fortes, que nada, nem ninguém do lado de fora da torre em que me coloquei era capaz de me alcançar. Nem mamãe, que sabia como ninguém que eu ainda estava ali em algum lugar, conseguia me fazer comer ou me tirar de um dos meus piores episódios de depressão. Eu não conseguia olhar para fora da janela daquela torre interna.
Não, não foi o Príncipe que me salvou. Na verdade fui eu mesma e o casamento super perfeito com ele que me colocaram ali. E, em um dado momento, ele deixou bem claro que não ia me tirar da torre, afinal me tirar dali seria me liberar para ser eu mesma e não mais dele.
Eu era a única que podia fazê-lo. E não sei como, mas fiz. Tive ajuda, sempre, isso foi fundamental. Mas a minha vontade de viver estava lá o tempo todo. Aquela menina de 9 anos estava ali do lado de fora da janela pedindo socorro, gritando por mim, porque ela precisava de mim para brincar, gargalhar, errar, fazer merda, conhecer gente e o mundo, ser alegre e feliz de novo.
Ela me deu vários sinais.
Uma vez fui fazer um exame de Colonoscopia e a anestesia acabou por libertar a voz da garotinha dentro de mim, que convidou os médicos responsáveis pelo exame para tomar uma cerveja, justificando o convite dizendo \”eu adoro fazer amigos\”. O único problema é que os médicos não haviam nem retirado o bendito aparelho do meu c´ quando o convite foi feito rs. E um misto de risos com vergonha quando saía da sala, sem entender direito se aquilo havia sido real ou não, me invadiu, sendo intensificado com as gargalhadas de mamãe dizendo \”provavelmente você falou isso sim\” rs.
Foi preciso muito mais do que isso para começar a ouvi-la. Mas foi somente quando comecei a faze-lo (sem necessidade de anestesias rs), quando pude enxerga-la, que consegui sair do alto daquela torre.
Talvez não precisasse ter sofrido tanto, não precisasse ter me punido tanto só por ser… feliz por ser eu mesma, mesmo que outros pudessem não gostar. Mas tudo que vivi só me ensinou que toda vez que começar a me afastar de mim mesma, aquela moleca, sapeca, sem vergonha e ousada vai me lembrar de que levar a vida tão a sério não é para gente!
Assusta, assusta admitir muitas coisas sobre quem somos. Assumir quem a gente é, se apropriar disso e, se preciso, lutar contra o que sempre aceitamos como verdade para defender nosso verdadeiro espírito não é fácil. Mas não há nada mais libertador do que olhar para fora de uma janela, sentir que quer estar ali vivendo a beleza do seu ser, agarrar naquelas tranças, sabendo que não há um boy muito louco te esperando lá embaixo achando que só ele te basta, e quando sentir o vento lá fora, a textura da grama sob os seus pés, cortar aquela merda daquele cabelo pesado pra nunca mais ter como voltar.
Portanto, comece a olhar, Rapunzel, na tua torre tem janela…

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