De Coração Aberto

Uma das poucas pessoas para quem contei que estava voltando ao Brasil me perguntou se eu estava feliz com a decisão. Eu disse que sim, que estava voltando de coração aberto. Acho que eu nunca havia usado esse termo antes, pelo o menos não com propriedade, não de forma tão honesta e espontânea.
Mas pensando em como vivemos nesse mundo, na forma como enxergamos a nossa relação com ele e toda nossa existência, estar realmente de coração aberto é uma das coisas mais difíceis de se sentir.
Estar de coração aberto não significa que não há medo. Porra, sair de uma situação relativamente confortável para uma situação totalmente desconhecida, na qual nada está sob meu controle, é assustador pra caralho! O \”não saber\” sempre foi motivo de pânico pra mim. Na verdade, parece ser motivo de ansiedade para quase todo o ser humano atualmente.
Lembremos que vivemos num mundo cheio de padrões e o \”não saber\” significa que talvez você esteja os questionando ou que talvez você não se encaixe em nenhum deles, ambos dão uma puta insegurança. Por isso, o \”não saber\” não é socialmente aceito. Assim como escolher ficar bundando no sofá por pura preguiça de vez em quando. Mas eis que chega uma pandemia da qual ninguém sabe ao certo quando vamos sair e o que temos que fazer é exatamente passar muitas horas bundando no sofá, então nos vemos além de ansiosos, culpados, por não estarmos sendo úteis. 
Eu não sou diferente de ninguém em relação ao sentir. A situação atual me dá medo, angústia, ansiedade e há uns dias atrás experienciei a culpa por decidir postegar por mais uns dias o término do livro quando o meu irmão apareceu de surpresa na chácara com os meu sobrinhos e a esposa. Só que a diferença entre a Cecília de agora e a Cecília de uns anos atrás é que tenho escolhido agir de coração aberto. Isso significa pensar que cada momento é único e nesse caso aproveitar a minha família, que eu não via há anos, era mais valioso para mim do que terminar o livro para que me sentisse mais produtiva ou para que pudesse começar a ter algumas certezas do meu futuro.
Afinal de contas, não se trata o meu livro exatamente sobre a minha relação comigo mesma e o mundo? Não é um amor inexplicável, em sua forma mais universal, que tem regido a minha vida ao longo desses últimos anos? Não está na busca pelo amor próprio ser presente e consciente nas nossas ações? O que seria de mim se ao longo desses três anos eu tivesse focado somente no meu futuro profissional e em dinheiro? A isso sim eu respondo com toda a certeza que não teria sido nada. Que eu só teria mudado de país, mas que continuaria sendo a mesma pessoa, insegura, tentando controlar todas a variáveis da minha vida, sem vivenciar de coração aberto tudo que vivenciei, sem mostrar as minhas fragilidades e provar a minha força, sem demonstrar todo o amor que estava guardado dentro de mim para todas as pessoas que conheci nesses útimos três anos e para as quais eu dei o melhor e mais autêntico eu. Se não fosse o viver no presente, grata por cada coisa pequena e maravilhosa que me acontecia, eu não teria o olhar que tenho hoje sobre a minha vida e sem isso não haveria um livro.
Caramba, às vezes faltam palavras para essa \”escritoura\”- com fui apelidada por um dos melhores amigos que fiz lá em Boston, descrever a verdade de viver a vida de coração aberto. Passei três anos fora, três anos achando que o meu lugar era lá porque eu poderia ser eu mesma, para chegar aqui e perceber em poucos dias que o problema não eram as pessoas ao redor que não me aceitavam, claro que algumas nunca vão entender o porquê de sermos como somos, o ser humano ainda tem muito o que evoluir na energia do amor, mas o maior problema era eu, que havia fechado o meu coração há tanto, mas tanto tempo que não conseguia dar pra elas o que queria que elas dessem pra mim.Foi simplesmente maravilhoso sentir o quão bem eu fui recebida pelos meus sobrinhos, que mal lembravam de mim, por eu ter ido embora quando eram ainda muito novos. Foi maravilhoso dar todo o amor que cultivei por eles enquanto estava longe e receber isso de volta sem nem precisar pedir. Na verdade, foi maravilhoso sentir o quão bem fui recebida por todos, mesmo que com muitos abraços à distância. 
Portanto, quando as pessoas me perguntam até quando ficarei, ou se voltei de vez, quais são os meus planos, se estou feliz, eu respondo, mas sem certeza de nada, de coração aberto. E toda vez que a minha auto crítica, questionamentos e medo me batem, tento encará-los com a mesma perspectiva que os encarei quando cheguei em Boston, de coração aberto, acreditando que seja como for tudo dará certo.

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