Madeixas de bruxa

Eu tinha 26 anos quando descobri o meu primeiro fio de cabelo branco. Bom, quem descobriu mesmo foi o meu ex-marido, no primeiro dia da nossa Lua de Mel. Estávamos sentados à sombra, à beira da piscina, quando ele me olhou com espanto e com a sensibilidade imatura de um homem jovem disse: \”Nooossaaaa, olha o tamanho desse fio branco!\”. Fiquei tão chocada que pedi que ele arrancasse na mesma hora.
Depois daquele primeiro fio os cabelos brancos demoraram alguns poucos anos para reaparecer. Não sei se porque não se sentiram bem vindos quando da primeira aparição ou se porque, assim como eu, ficaram parados no tempo do meu casamento.
Já estava beirando os 30 quando minha tia cabeleireira que cortava as pontas das minhas rebeldes madeixas me disse que atrás da cabeça e embaixo dos meus fios naturalmente escuros alguns brancos já faziam o seu assentamento. Fiquei incomodada e muda por alguns segundos, então disse que se ficassem só ali escondidos daquela forma tudo bem, até porque eu não tinha como vê-los e arrancá-los. Assim eles o fizeram.
Não me lembro de ter visto um fio até que chegasse em Boston. Claro, a minha linda, livre e surpreendente vida aqui não deixaria de fora da minha lista de tarefas Como me Tornar Melhor para Mim Mesma nem a minha cabeleira.
Aqui não só descobri que os meus cabelos eram passíveis do uso do secador, desde que em velocidade baixa e em temperatura não muito alta, como também passei a ter visão de raios x para identificar fios brancos recém nascidos e os arrancar com a pinça. Assim como eu me sentia livre para ser quem eu quisesse, seguindo toda a minha energia e motivação pela liberdade, os meus cabelos brancos também.
Parecia mágica. A cada dia acordava e encontrava um novo. Vivia dizendo às pessoas que não conseguiam enxergá-los que o motivo era porque eu os arrancava. Eu iria resistir o quanto pudesse
àquela ocupação inapropriada, já que os brancos se destacam muito no meio dos escuros.
Foi então que algo alconteceu. Uns dias depois do meu texto sobre gratidão à minha criança interior no Thanksgiving, ajeitava meu cabelo olhando-o no espelho de um elevador quando percebi um fio de cabelo bem branco e brilhante embaixo da minha franja do lado direito da cabeça. Ele já estava comprido, havia resistido aos meus intensos esforços de busca e apreensão. Na certa escondeu-se em meio aos pretos até que se tornasse mais forte e vistoso de uma forma tão reluzente que se tornou impossível manter-se oculto. Era tão lindo. Brilhante. Mais brilhante do que as luzes brancas feitas em salões de cabeleireiro. Curiosa comecei a movimentar a madeixas de uma forma mais minuciosa, de baixo pra cima, de trás pra frente, de uma forma que não havia feito antes nas minhas rotineiras buscas. Impressionada comecei a encontrar vários. Todos maravilhosamente lindos. Eles não eram meio pretos meio brancos ou branco amarelados como um ou outro que havia encontrado quando começaram a aparecer. Eles eram naturalmente coloridos de um forte branco prateado.
Muito embora tivesse que admitir o excelente trabalho que fizeram enquanto cresciam na surdina, o detaque da cor e o medo de que pudesse parecer mais velha ao deixar que eles assumissem o território me fez, a princípio, buscar alternativas para cobri-los. Eu não iria mais arrancá-los, a sua insistência em crescer na minha cabeça era no mínimo admirável.
Fui atrás de um tonificante rosa. Eu não queria uma tintura permamente pois já havia aprendido da sensibilidade dos meus finos fios pretos às tinturas tradicionais. Na verdade os meus pretos são mesmo sensíveis à tudo coitados, até ao vento. Eles de certo têm a quem puxar.
Comprei e apliquei o tonificante, esperando que se tivesse que ter fios de cores diferentes na cabeça que fossem ao menos de uma cor alegre. Mas as minhas expectativas, como na maioria das vezes, não foram atingidas. Os meu brancos são tão fortes e resistentes que era como se tivessem feito um escudo contra o tonificante na hora da aplicação. Mantiveram sua cor e brilho intactos como verdadeiros espartanos em mais uma batalha contra uma rainha persa querendo manter o seu estatus de \”jovem\”.
Após a tentativa frustrada, a rainha aqui recorreu ao senhor do conhecimento do século XXI, o famoso Deus Google, na intenção de encontrar algum tonalizante que cobrisse fios brancos. Mas, como todo Deus que não te dá o que pede, mas sim o que você precisa, o Google acabou me mostrando blogs e sites com relatos de mulheres que assumiram os seus fios brancos ainda novas. A cada relato que lia e cada foto que via me encantava, admirada com a autoestima e a beleza singular daquelas mulheres, cada qual com uma idade diferente.
Pensei em como eu, uma feminista, constantemente em busca de autoconhecimento e fortalecimento do amor próprio, pude ter passado tanto tempo arrancando os meus belos e especiais fios de cabelo branco. Questionei a minha posicão nessa ditadura da beleza imposta às mulheres. Mais ainda, até a desigualdade de gênero existente na forma de encarar os fios brancos. Afinal, por quê é Ok e até charmoso o homem deixar crescer os seus fios brancos e a mulher é considerada descuidada e velha se o faz?
Não, não é nem um pouco ok.
Lembrei da minha mãe. Claro, a minha desprentenciosa musa inspiradora que se apresenta como exemplo de vida o tempo todo para mim.  Pensei no tanto de tempo que ela perdeu pintando os cabelos para se adequar a essa ditatura e como foi libertador quanda ela parou de o fazer. Ela foi a primeira mulher que conheci que assumiu os brancos linda e orgulhosamente. E é curioso pra mim observar que quanto mais brancos ela vai tendo naquela sua linda cabecinha, mais bela e exuberante ela fica…
Já tem quatro meses que não arranco um fio sequer. E talvez porque eu tenha dado o meu aval para que se instalassem de vez, os meus brilhantes espartanos estão ficando cada dia mais visíveis no topo da cabeça rs. To me divertindo com a ousadia deles e admirando cada dia mais a sua luz.
Dizem que é possível adquirir fios brancos dependendo do seu estado emocional. Se assim for, que assim seja. Que os meus branco-prateados sejam uma orgulhosa representação de todos os momentos difíceis que passei e que ainda passarei nessa minha linda e surpreendente vida. Que seja longa, para que eu possa abrigar uma verdadeira cabeleira branca de bruxa sábia e feliz. Enquanto não chego lá, vou aqui me espelhando na foto da bruxa que mais amo e admiro nesse mundo: mamãe. 

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