Não Tem Preço

No último ano minha autoimagem sofreu uma quebra de contrato com espelho que nunca havia acontecido, e com ela o meu emocional ficou bem abalado. Ou teria sido o contrário?  

Num dos momentos mais importantes e felizes da minha vida, no qual retomava um antigo sonho, contei com palavras de admiração e ao mesmo com olhares de julgamento. Era como se com cada elogio, como “você tem tanta energia”, havia uma crítica no sentindo oposto como “nossa, não tá na hora de sossegar não?”  

Entrei numa crise terrível, na qual outras sentenças cruéis relativas ao meu modo ser e encarar a vida, vindas de pessoas próximas, uniram-se a esses não tão novos olhares de padronização e tentativa de diminuição da mulher, que ocorre ao longo de toda nossa vida.

Sabemos que o patriarcado objetifica as mulheres e, à medida em que nos tornamos mais velhas as críticas se acentuam, somos colocadas de canto, excluídas, como se nossos corpos e rostos representassem nosso único valor e agora já não servissem mais a este sistema. 

Nossa sexualidade é questionada como se nossos desejos também fossem determinados pelos nossos aspectos físicos. O padrão da cultura patriarcal relaciona direta e proporcionalmente beleza com juventude, dessa forma não podemos ser atraentes enquanto mulheres mais velhas, assim como não deveríamos expressar nosso interesse por sexo. 

Se falo muito sobre sexo é porque preciso de “pica” ou sou uma pervertida. Se falo pouco é porque meu desejo sexual já diminuiu por causa da idade. Se sonho, tenho ambições e arrisco uma tradicional estabilidade para buscar uma vida que é significativa para mim é porque estou sofrendo de juventude tardia, sou irresponsável ou louca. Convenhamos, é necessário bem pouco atrevimento ou nenhum para que um homem se levante para chamar-nos de loucas.  

Algumas das falácias desse sistema servem para que as pessoas, principalmente nós mulheres, não saibamos que quanto mais velhas mais conhecedoras e conscientes do nosso potencial nós nos tornamos. Nossos desejos sexuais e nossa vida podem ser muito melhores do que antes. Sabemos mais claramente o que gostamos e aceitamos e o que não aceitamos mais. Gozamos para nós e não para agradar a alguém! Nós dizemos a eles o que queremos na cama e não o contrário. Somos mais seletivas sobre com quem queremos estar e quando. Não podemos ser moldadas, curvadas ou diminuídas como quando éramos mais jovens, pelo menos não por muito tempo.

Eles tentam diminuir o valor de uma mulher independente. Impõem um projeto de vida à mulher estipulando seus papeis, sob a falsa promessa de que esses lhe darão algum valor. Se ela o recusa é renegada socialmente. Eu já tive a casa, o marido e a vida estável que o patriarcado ensina como sendo o objetivo de vida que toda mulher deveria ter e não estava feliz. Quem de verdade é feliz sob tanta opressão? Quem se sente valorizada tendo que se comportar dentro de um padrão que pune toda vontade de viver, de criar, de ser livre?  Eu sentia falta de um parceiro que sinceramente me quisesse feliz. Eu sentia falta de poder sonhar. Eu sentia falta de sexo com admiração e tesão. Tudo isso só me mostrava que eu sentia falta de mim. 

Não, o problema nunca foi o espelho. Minha autoconfiança e amor-próprio tornaram-se mais fortes e genuínos em meus trinta do que jamais foram em meus vinte. Passei a ser mais feliz e me sentir verdadeiramente linda quando comecei agir de acordo com quem eu era, com o que realmente queria para mim. Não há nada mais poderoso do que uma mulher que sabe que pode e deve fazer suas próprias escolhas.

 O real problema é a necessidade dessa sociedade opressora em classificar pessoas e colocá-las em caixas, de acordo com seus convenientes padrões e conceitos de utilidade e valor. Pois adivinhem só: eu não preciso do espelho, eu não caibo em nenhuma caixa, minha aparência não determina quem sou e onde posso chegar. Eu sou ilimitada e não tenho preço!  

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