Era uma vez um lugarzinho escondido em meio a um mar de montanhas de café, situado no encantado Estado de Minas Gerais. Por suas estradas surgem deslumbrantes cachoeiras, em grande parte ocultas na mata, só quem conhece sabe onde estão. Suas quedas formam piscinas de água quase cristalina, cheias de energia revitalizadora, doada pelo equilíbrio perfeito entre minerais da terra e a alternância dos dias frios e quentes, necessários ao ciclo da vida.
Na cidade, onde parte da família mora, há uma receptividade daquelas que aquece o coração e traz paz à alma. É como se as pessoas te conhecessem há muito tempo e ainda se interessassem pelo que você tem a contar, as dores que te fizeram crescer e o amor que tem pra dar.
Parece não importar mesmo se você é muito diferente. Ou melhor, sua diferença importa e muito. Talvez por ser uma cidade pequena as pessoas enxerguem melhor as características que tornam cada ser único. Acolhimento seria uma palavra para descrever a hospitalidade do lugar. Educação e amor, outras tão ou mais essenciais quanto a primeira.
Lá o passo ainda é devagar, apesar do crescimento urbano acelerado. É como se a vida acontecesse em cãmera lenta e fosse possível sentir tudo a sua volta e dentro de você.
Quando fui ali pela primeira vez não percebi nada disso. Quero dizer, estava tudo lá: o aroma da vegetação exuberante e dos cafés especiais recém coados, o abraço, a sabedoria e as risadas sinceras daqueles que acabara de conhecer e as águas curativas de mamãe Oxum. Exceto eu. Havia me perdido tantos anos antes que minha estadia não passou de uma experiência extremamente agradável de férias do trabalho.
Dessa vez não. Não estava de férias, ao menos não do trabalho, porque na teoria não tenho um. Trabalho, de acordo com a sociedade capitalista, é algo que se faz por dinheiro, pra pagar as contas e adquirir coisas desnecessárias que fomos convencidos de que precisamos. O trabalho mais verdadeiro que pude desempenhar nos últimos anos foi o de viver pelo simples prazer de existir, para sentir, para crescer, para dividir histórias.
Bom, não foi assim no último ano. Não tem sido assim desde que decidi voltar ao Brasil. Foram muitos meses de dor, angústia, ansiedades, medos e perdas. Achei que a Cecília que reencontrei lá fora estava morrendo novamente. Até chegar nessa pequenina cidade, pela segunda vez.
\”Estou indo para Espera Feliz semana que vem, você quer ir?\”, disse meu pai. O convite veio pouco tempo depois da minha negativa para o visto de estudos no Canadá e naqueles dias eu me arrastava, remoendo pensamentos de forma compulsiva. Queria voltar a escrever, mas não conseguia. Estava esperando, sem saber exatamente o quê. Sendo assim, que esperasse em uma atmosfera diferente. Precisava ir.
Passei vinte dias naquele quase vilarejo, comparado à monstruosidade e frieza do concreto de São Paulo. Vivi mais lá em tão pouco tempo do que consegui viver aqui em quase um ano e meio. Escrevi dois textos muito bons. Contemplei a beleza do entorno e dos contornos montanhosos. Senti os cheiros de mato e dos pensamentos vazios. Banhei-me nas águas frescas das cachoeiras, lavando a alma. E o melhor de tudo, o que parece fazer meu mundo girar: conheci e reconheci maravilhosas pessoas.
A felicidade estava de volta. Eu estava presente. De repente tudo que passei tanto tempo esperando não me incomodava mais. Era livre novamente! Estava em casa! Não geograficamente, mas meu eu havia regressado pra casa. Agradeci àquelas pessoas especiais e aquele lugar encantador e voltei para a cidade grande.
Foi extremamente di´ficil retornar. Era como se estivesse me deixando outra vez. Levei alguns dias para aceitar e me acertar com minha alma. Os questionamentos pertubadores dos últimos tempos tentaram roubar-me a paz. Quando menos percebi estava novamente esperando um não sei o quê, que viria não sei de onde, na hora de não sei quando.
Conversei comigo, com algumas pessoas e não pessoas. Cheguei mais uma vez numa questão crucial, a qual já tinha me feito e respondido, de forma objetiva e racional, várias vezes: por quê eu não consigo ser feliz aqui?
Lembrei de Espera Feliz, com carinho, zêlo e de tudo que fez com que me sentisse eu, tudo que fez com que me sentisse… em Boston. Lembrei também que não havia me sentido dessa forma da primeira vez que estive lá. Claro que, por mais infeliz que me sinta aqui, já não sou mais a mesma de antes, Boston me mudou. Porém, havia algo mais e a resposta para essa pergunta veio há poucos dias.
Além do passo da vida ser veloz aqui, de ter vivido em isolamento social quase toda minha existência (sem necessidade de pandemia), da falta de verde e de água, das inseguranças sociais, do machismo estrutural que me limita, das desigualdades que me entristecem, das cobranças serem maiores quando estou p´roxima dos padrões e memórias afetivas que me torturam, há uma parte minha que não quer ser feliz aqui.
Com certeza todos esses são motivos mais do que suficientes para dificultar o alcance da felicidade na maior metrópole do país, ou mesmo no Brasil. Mas o fato é que o ser humano tem a tendência de sempre esperar algo. Estamos o tempo todo criando expectativas e admito que sou uma dessas pessoas.
Desde nova desejei o mundo, conhecer pessoas, culturas e línguas! Intensidade é o meu sobrenome, ao menos poderia ser. Diversão deve ser rotina e a rotina deve ser dinâmica.
Há pessoas que encontram isso aqui. Teoricamente eu também poderia certo? É o que dizem algumas filosofias orientais. \”A paz deve estar dentro de você!`\”. \”Ser feliz é um estado de espírito.\”
Bom, talvez meu espírito queira mesmo viver num lugar mais cosmopolita, rodeado e conectado com a natureza, além de mais justo, mais seguro e onde eu não tenha que me cobrar ser a profissional pica das galaxias para ter o que qualquer ser humano deveria ter: conforto, liberdade, paz e sim, a tão necessária felicidade.
É, nunca encontrei isso aqui, na real. Talvez sejam as grandes distâncias, talvez sejam os individualismos de quem tem que batalhar dobrado num país subdesenvolvido e seguem como gado os princípios da meritocracia. Aqui a espera pela recompensa é grande e nada feliz.
Mas se ser feliz é uma escolha a única pessoa que pode fazê-la sou eu. Desse modo, passo a assumir que, de forma inconsciente, em algum momento optei por ser feliz em outros lugares. Então, é possível ter esperado que São Paulo e algumas pessoas trouxessem o sentimento de pertencimento que só eu seria capaz me dar.
Não há mais tempo para tantas esperas. Quero ser feliz no hoje e no agora, ainda que esse globo azul pendurado por uma linha transparente e segurado pelo grande criador fanfarrão para testar nossa resiliência seja a minha casa em sua totalidade.
Ah sim, eu quero partir! Há muito mundo aí fora esperando para conhecer o meu mundo aqui dentro. Ou seria o oposto? Tenho um plano e confesso que é bem mais fácil esperar com ele. Mas por ora sigo somente na espera, contraditóriamente com baixas expectativas, de um presente feliz.