Nas últimas duas semanas assisti a episódios terríveis de assédio que me fizeram encontrar um tempo para escrever, depois de quase um ano, porque não pude simplesmente deixar passar.
O primeiro em questão e\’ o caso da estudante Patrícia Linhares, do curso de biomedicina da Unisagrado – Bauru, SP. A aluna foi humilhada por ser uma caloura mais velha por outras outras estudantes do mesmo curso, que gravaram um vídeo onde perguntavam \”Como desmatricula alguém?\” e ainda mencionaram que Patrícia deveria estar aposentada, pois já tinha quarenta anos e, de acordo com as colegas mais novas, seria muito velha para estudar.
Choquei-me com o vídeo, porque em janeiro desse ano, mesmo mês em que completei quarenta anos, assim como Patrícia, realizei um grande sonho: estudar no exterior. O interessante e que nunca me senti tão motivada e com energia para estudar quanto agora. Jamais me senti velha ou desisti do meu sonho por achar que não era para mim. E, ao contrário de humilhação, só recebi elogios e comentários de admiração, vindos de colegas e professores. Mas, não moro no Brasil…
No segundo caso, dois homens assediaram uma mulher dentro de um reality show televisionado em rede nacional e ao serem expulsos do programa, aparentemente por pressão dos patrocinadores, chocaram-se com o motivo pelo qual foram retirados do reality.
São tantas as relações entre os dois episódios, mas não tão evidentes assim, porque um foi cometido por jovens mulheres e outro por homens. Em um a existência do etarismo, no outro o assédio sexual, ambos um abuso, um dos filhos mais velhos do patriarcado.
Comecemos por eles então, aqueles que se beneficiam do sistema patriarcal para exercerem qualquer tipo de liberdade que são ensinados a ter enquanto homens, para explorar o corpo de uma mulher da forma como bem entenderem. Seja passando a mão, ou beijando sem o consentimento da vítima, ignorando o não.
Esses homens cresceram numa sociedade machista, onde não foi dito a eles que isso era completamente errado. Ao contrário, lhes foi dada permissão para abusar. Defendidos, não só por homens, como também por mulheres, sob a desculpa de que cometeram \”um erro\”.
Vejamos, aqueles homens eram assistidos ao vivo e também gravados, com câmeras espalhadas por todos os cantos e ainda assim agiram daquela forma. Pensemos: se aqueles homens agiram daquela forma em frente `as câmeras por não acharem que faziam algo errado, o que já fizeram quando ninguém os estava observando?
As mulheres que os defendem, mãe e esposa, não estão cegas de amor. Estão cegas por uma estrutura que as ensinaram a perdoar o homem, antes mesmo que cometa qualquer crime contra uma mulher; que as responsabilizam pelo abuso cometido contra elas; que questiona suas roupas quando são vítimas de estupro; que cobra delas a posição de santidade, de responsáveis por manter a família, mesmo que sob a pena de perderem a si, mesmo que sob a dor de viver na obscuridade da sua real posição nesse mundo: minorias, exploradas e humilhadas de alguma forma, todos os dias.
Foram também ensinadas que ciúme, possessividade e agressividade são defeitos. Não entendem a raiz do problema. Não conseguem, porque foram treinadas de todas as formas para que não enxerguem isso. Imagine se desde pequenas conseguíssemos perceber as diferenças no tratamento entre homem e mulher? Imagine, se ao invés de terem falado para nós mulheres que era normal homem levantar a voz para mulher, agir com tirania, ofensas, tivessem dito a elas que ninguém tem o direito de trata-las dessa forma, de diminui-las, o que seria de nós hoje?
Não há como fazer mudanças individualmente na forma como somos tratadas. Não podemos acreditar que se formos boas o suficiente, praticarmos o autodesenvolvimento, a espiritualidade ou o que quer que seja, sem consciência dessa estrutura, ajudara\’ a transformar esse sistema que tanto nos oprime. Isso não fará com que filhas, sobrinhas, netas, amigas sofram menos. Porque esse mundo ainda e\’ dominado por homens, que abusam como e quando querem, porque tem autorização para isso, inclusive de mulheres.
E\’ aqui que entram as meninas que abusaram de Patrícia. Elas são um grande exemplo de que o patriarcado continuara\’ a fazer suas vítimas e usara, inclusive, mulheres para isso. As jovens de Bauru, assim como MC Guime\’ e Cara-de-Sapato, são cria desse sistema, que estabelece padrões a serem seguidos.
Ao homem, tudo pode, só não se demonstrar sentimental, o que muitas vezes se reflete em seu comportamento agressivo. “A mulher, não e\’ permitido envelhecer, voltar a estudar a qualquer idade, namorar alguém mais novo, engordar, se divertir quando se e\’ mãe, engravidar se quiser investir na carreira, não engravidar se o parceiro quiser um filho, não ter o filho, ter liberdade sexual, ganhar os mesmos salários, concorrer aos mesmo cargos de alto escalão, ser dona do próprio corpo, contar piada, não ter senso de humor, dizer o que pensa, não dizer o que pensa, dizer não. Essas são algumas, dentre tantas outras regras, que aprendemos desde meninas e que devemos seguir, silenciosamente, se quisermos que nos apreciem minimamente nesse sistema.
Não, não foi um erro! Em nenhum dos dois casos. São situações que se repetem todos os dias, dentro da falsa normalidade regida pelo sistema patriarcal. Desejo que no futuro os homens passem a se responsabilizar por seus atos de assédio e violência contra a mulher, verbais ou físicos. Que seus pares, mães e parceiras, possam ouvir tantas mulheres que já foram assediadas e, principalmente, a si. E que as meninas de Bauru, com sua jovem ignorância, aprendam em que nicho são colocadas nesse mundo, porque um dia elas também serão mulheres de quarenta e, com muita sorte ou consciência, terão a coragem de Patrícia para recomeçar, quantas vezes se fizer necessário, sem medo de julgamentos alheios!