Mesmo nos momentos mais introspectivos, reclusos e tristes da vida tentei expressar minha autenticidade de alguma forma, seja pela roupa, pelo cabelo, pelo vasto gosto musical adquirido ao longo dos caminhos, pela forma crítica e rebelde de me colocar em situações de injustiça.
Por vezes, senti necessidade de me expôr mais fisicamente, em varios sentidos. Dando a cara a tapa ou me vestindo de forma provocante. Não vejo nada de errado nisso. Sem contar o fato de que desde criança gosto de ficar pelada e o faço em toda oportunidade que tenho. Dormir, nadar, tomar sol pelada, me sinto naturalmente livre.
E é aqui que, infelizmente, tenho que retomar discursos de liberdade e propriedade para justificar porquês.
Só pela ênfase determinante no final do título você já deve ter percebido que há uma questão intrínseca a afirmação.
O corpo da mulher nunca de fato pertenceu a ela. A sociedade patriarcal, verdadeira detentora desse bem, vem moldando-o de inúmeras maneiras, velada e não velada, sua forma e apresentação, do modo que lhe satisfaz e se faz necessário para seus propósitos de manutenção do poder.
Mulheres sempre se vestiram e se comportaram de forma a atender padroes sociais e regras determinados por eles, homens e suas expressões do machismo.
Quando grupos em defesa da igualdade de direitos e liberdade da mulher começaram a surgir não foi uma surpresa que logo a vestimenta e normas de etiqueta femininas começassem a ser questionadas.
Dentre as mais diversas formas de declaração da autonomia e posicionamento feminino frente às opressões do patriarcado a nudez ainda é hoje uma das mais polêmicas.
Tragicamente mulheres e, lógico, homens, totalmente fora do seu lugar de fala, vem agredindo a nudez e a exposição de corpos femininos em redes sociais.
Entendo o receio de um \”reforço\” na prática da objetificação da mulher, assim como a preocupção da extensão de um padrão de perfeição a nós mulheres. Mas a questão é: limitarmos o debate da nudez (parcial ou total) da silhueta feminina não é o mesmo que limitar novamente uma de nossas formas de expressão?
Isso não seria dar voz ao machismo que agride mulheres por usarem roupas curtas e as culpabilizam por um estupro? Veja, não estou falando de pornografia, não estou falando de meninas expondo na internet seus corpos jovens de mentes imaturas acreditando que isso é feminismo.
É nosso dever ensinar às meninas que devem exercer sua liberdade. Assim como explicar a elas essas estruturas, apontar os meios pelos quais nos limitam e enfatizar a necessidade de que fazer escolhas requer responsabilidade. Não há liberdade sem ética e isso é conscientização, não limitação.
Dizer a uma menina simplesmente \”você é muito jovem para sair assim\” ou, pior, \”vão te confundir com uma puta\”, \”vão querer te comer\” e outras sentenças pejorativas não explica o problema social que é o patriarcado. Ao contrário, reforça a ideia de que ela é a responsável pelo comportamento doentio do outro, sem que tenha a menor consciência do porquê a nossa cultura a enxerga dessa forma.
Do mesmo modo a pornografia. A nudez em si não é o problema. Ora, quadros belíssimos exaltando a beleza e o poder de corpos femininos nús, por vezes de forma quase sagrada, são expostos em paredes de casas, instituições e renomados museus mundo afora. Sem falar de culturas indígenas nas quais a ausência da roupa é somente a mais natural expressão da condição humana.
O cerne da crítica que hoje (confesso que já gostei de assistir e isso é assunto do próximo texto) me enoja nessa categoria de filmes é justamente a forma animal e desumana com a qual mulheres são mostradas e tratadas. Essa apresentação da mulher como puro objeto de serventia sexual nos reduz às condições contra as quais tanto lutamos: submissão, desvalorização, opressão, padronização e tipificação.
Já em relação a alta exposição de mulheres com corpos perfeitos na internet não vejo problemas, de forma geral, em querer expor sua vaidade ou admiração pelo próprio corpo. Não acredito que tenhamos que gastar nosso vocabulário com embates pessoais ou críticas diretas. Essa não é uma luta contra mulheres, mas contra um sistema que estipula padrões a seu bel prazer e inviabiliza de forma veemente a representatividade, a apresentação de todos os corpos com suas belezas ímpares.
Afinal, somos multiplas e únicas, somos gordas, magras, baixas, altas, pretas, brancas, amarelas, trans, cis e tantas outras variações do ser belo e originalmente livre que nascemos para ser.
Não caiamos nessa de acreditar que a nossa nudez ou exposição dos nossos corpos é o problema. Temos que aprender a contextualizar se não quisermos dar voz às antigas estruturas que têm nos aprisionado há milênios.