Depois de um tempo de volta ao Brasil resolvi começar a limpar as coisas, jogar o velho fora, doar o que não se usa há um bom tempo, mudar um antiquado layot. Comecei com o meu quarto, fui para a cozinha e quando vi já estava trabalhando, com orgulho, de diarista na casa da minha irmã. Somando a tudo isso, me peguei repentinamente num novo relacionamento e foi aí que as coisas se embaralharam um pouco.
Todas essas mudanças me fizeram pensar no quão desvalorizada foi a parte do conto da Cinderela em que ela é a faxineira na própria casa. Se eu pudesse reescrever sua história, sem dúvida nenhuma daria a ela outra perspectiva e direção. Não por desacreditar de relacionamentos verdadeiros e saudáveis. Sou romântica por natureza e assumida, vejo amor nas pequenas coisas, em toda parte, mesmo onde ele pareça não existir. É o amor, no seu sentido mais amplo, que me guia. Quando esta Cinderela da vida real sente que a vida deu muito mais do que um nó, que virou um novelo de lã emaranhado por um gato endiabrado, é no amor das pessoas queridas que busco colo, é também no meu amor próprio que encontro as respostas para a grande maioria das minhas perguntas.
O amor é maravilhoso e, me desculpem as descrentes, sim, um casal pode viver feliz para \”sempre\”, seja o que for que esse \”sempre\” signifique para você. Porém, de fato, ele só pode acontecer se o seu saldo de amor próprio estiver positivo. Cada dia mais eu sinto e observo nas relações mundo afora que se alguma peça bem importante do seu quebra-cabeças está faltando, jamais o outro poderá completar. E é aí que expectativas são criadas, cobranças começam a ser feitas, direta e indiretamente, e os relacionamentos podem estar fadados ao fracasso.
Eu tenho certeza absoluta que a Cinderela da Disney não viveu feliz para sempre!
Agora vou dizer para você como ela poderia viver feliz para sempre, com altos e baixos, obviamente, como qualquer ser humano normal.
Depois de muito tempo trabalhando em regime escravo para a madrasta e as irmãs, Cinderela começaria a ouvir a si mesma, a sua parte sã, que sempre esteve ali, mas ela não conseguia notar, pois estava cheia de pensamentos viciosos, se sentindo um lixo, acreditando no que os outros diziam e com pena de si mesma. Ela perceberia que não é porque a vida lhe tirou os pais que ela não era merecedora de coisas boas. Então, continuaria a fazer o serviço de casa, já que as mãos não lhe haviam caido até então e não gostaria de morar numa casa bagunçada, já que as outras mulheres da casa não sabiam fazer nada. Mas colocaria limites de tarefas e horários para poder começar a estudar corte e costura com as fadas madrinhas.
Depois de muito estudo começaria a oferecer os seus serviços nas cortes próximas e com o dinheiro compraria um pequeno pedaço de terra e construiria uma humilde casa, mas sem negar a si mesma nenhum conforto.
Um dia, receberia um convite para um baile na Corte de um tal Príncipe Encantando. Tratava-se de um baile para a escolha de uma esposa para o príncipe. Ela ficaria muito animada, não pelo objetivo do baile, mas porque a festa era boca livre com uma puta banda ao vivo e castelo bombando de cara gato. Agora, sentia-se livre para dançar por aí, ser quem quisesse ser, ficar com quem quisesse ficar. Além disso, seria uma ótima oportunidade para fazer sua autopropaganda e se apresentar num vestido belíssimo, feito por ela mesma.
Assim ela o faria. Linda como estava, no meio da noite acabaria dançando e sendo xavecada pelo príncipe, mas sua autoestima já não era mais a mesma, ela se amava e à sua vida, assim perceberia que viver ali não era pra ela e que o príncipe portava uma certa arrogância. Então, diria a ele que estava com um amigo e que ele a aguardava, saindo sem mais explicações. Iria em direção a um plebeu, funcionário da corte, um cara atraente que havia sacado desde que chegou na festa, cujo sorriso fazia com ela se desmanchasse. Cinderela o tiraria para dançar e após muitas gargalhadas o beijaria, beijo esse que faria com que ela voltasse para casa acompanhada e fosse feliz pelo resto da noite. SEM FIM!
O final da história é sempre escolha nossa. Podemos escolher somar gargalhadas, nos apoiar nos momentos difíceis e continuarmos a ser felizes noite após noite, acompanhadas. Como também podemos escolher rirmos de nós mesmas todos os dias, fazermos daquela que vemos nos espelho a nossa melhor amiga e quando a carga ficar muito pesada dividir com um ombro amigo.
O importante mesmo é perceber que nunca podemos deixar de fazer a faxina. Assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas é limpar desculpas esfarrapadas, pensamentos ruins a nosso respeito ou a respeito do outro, pessoas ou relações que nos tirem a paz ou nos impedem de atingir o que queremos e sobretudo merecemos.
Por mais que, quando o bicho pegue e a vida fique uma bagunça, uma partezinha do nosso ego ainda queira acreditar numa abóbora que vira carruagem, um sapato velho que vira scarpan de cristal e um trapo que vira vestido de gala, se a diarista em nós está ligada, quando a varredura começa não sobra nem uma poeira pra jogar embaixo do tapete!