Voltando para Casa

Quando o meu distanciamento social começou no dia 17 de março eu tinha vários planos: aproveitar o meu tempo para retomar o canal no youtube, me dedicar melhor às minhas páginas, escrever ao menos um texto por semana no Blog, como há muito tempo não conseguia fazer; finalmente terminar de escrever os dois capítulos que faltavam do livro, estabelecer uma rotina sólida de meditação, yoga, tai chi, estudos espiritualistas, começar a ler um novo livro e a escrever o segundo livro. Como sempre, uma expectativa altíssima.


Logo no primeiro dia tive que colocar o celular no mudo. Aparentemente as pessoas começaram a aproveitar o tempo para reconectar com amigos que há muito não falavam e para conversar mais ainda com aqueles mais próximos e a família. Depois dos primeiros dois dias entendi que o começo do isolamento seria assim mesmo, então resolvi não me frustar com o não cumprimento das tarefas planejadas.No final da primeira semana de isolamento finalmente consegui postar um texto para o blog e um vídeo para o canal do youtube e, como num começo de dieta, estabeleci a segunda-feira da segunda semana para iniciar o meu plano de isolamento social. A semana começou e a comunicação on-line seguiu a todo vapor. Consegui seguir com a minha rotina de conexão espiritual comigo mesma e o planeta, não da forma como havia planejado, mas da forma que deu. O importante era que todos os dias eu estava reservando um momento para ficar em silêncio comigo e com o mundo. No entanto, não consegui editar e postar os dois outros vídeos que fiz e os textos que pensei em escrever para o blog não me faziam sentir inspirada. Simplesmente não conseguia escrever. A mesma coisa com o livro. Resolvi começar a caminhar até um parque que tem atrás da casa e pelo bairro. E lá ia eu, com máscara e luvas. No meio do caminho aquela proteção toda não fazia sentido pra mim. Eu não conseguia respirar direito e sentir o vento no meu rosto. Então, quando me sentia segura, distante das pessoas, tirava toda a parafernália e parecia que até aos passáros eu conseguia ouvir melhor. E cada pássaro lindo que eu nunca havia visto antes. Aquilo sim me inspirava.  Eis que o mês de abril começou e com ele as chuvas diárias, me fazendo ficar mesmo isolada. Eu nem me importava tanto com o fato de não ver as pessoas, já que falava com um monte de gente todos os dias. Mas me incomodava com o fato de não poder sair para caminhar e apreciar a paisagem ao redor. De dentro do meu quarto eu lembrava do meu primeiro mês de abril chuvoso em Boston. Uma saudade estranha me batia. Algo dentro mim ainda me dizia que não era o momento de postar vídeos ou escrever para o blog e tudo bem, já havia aceitado isso. Assim como já havia aceitado o fato de que não eram só as pessoas que me mandavam mensagens o dia todo todos os dias. Eu também queria conversar com elas, eu precisava daquela distração, embora não soubesse o porquê. Acho que nunca me senti tão próxima da energia superior que nos guia quanto nesses dias e seguir o que sentia parecia ser mais fácil do que nunca, então eu só aceitava. Aceitava e cozinhava. Aceitava e assava bolo. Meus dias de distanciamento social passaram a se resumir em: trabalhar a minha espiritualidade, falar com as pessoas e cozinhar. E tudo bem. Em nenhum momento reclamei do fato de estar isolada, mesmo embora os planos não tivessem saído como eu havia planejado. No entanto, ainda não conseguia terminar o livro. Havia uma inquietação estranha toda vez que abria o lap top para fazê-lo e isso era talvez a única coisa difícil de aceitar, pois o meu livro é o meu bebê, como poderia não estar me dedicando a ele se agora eu tinha tempo?Ao final da terceira semana, além da inquietação, uma angústia, um aperto no peito, começou a me dar e embora o meu lado neurótico tenha querido pensar que talvez fossem os sintomas de uma infecção por corona vírus rs, a hipótesse não durou muito. A inquietação e insônia, que se transformaram numa ansiedade sem explicação, foram questionadas na quarta noite de angústia, depois de finalmente iniciar o penúltimo capítulo do livro.Foi na segunda-feira dia 06 de abril, enquanto escrevia sobre como conheci o cara com o qual tive o melhor relacionamento da minha vida, que aquela ansiedade atingiu o seu pico. Conforme eu ia descrevendo os detalhes do lugar onde eu o conheci, a chácara do meu pai no interior, que a saudade do lugar, que há muito eu não sentia daquela forma, cresceu inexplicavelmente. Fiquei extremamente agitada. Não consegui terminar o capítulo. Assei um bolo, tomei banho e assisti um filme. E 1:30 da manhã eu ainda não havia conseguido dormir. Uma irritação, uma raiva assumiu o controle. Se eu estava bem, então qual era o problema? Me sentei na cama e de olhos abertos no escuro questionei Deus: \”o que o Senhor quer de mim?\”. Respirei fundo, pedi que me desse um sinal, porque não estava entendendo aquela ansiedade. Me deitei de novo e dormi.No dia seguinte, enquanto tomava o meu café da manhã um colega de trabalho me ligou. Pensei se deveria atender naquele momento ou não, já que, como um esforço de melhoramento pessoal, venho tentando me focar no que estou fazendo, que, no caso, era terminar o meu café da manhã. Mas após alguns toques eu pensei que era simplesmente melhor atender. Atendi e o meu amigo me comunicou que a previsão da empresa para contratar terceirizados novamente era, talvez, setembro. Não me alterei. Não pensei. A minha resposta para ele veio de dentro para fora: \”então vou embora para casa\”. Ele riu, não acreditou. Eu disse que era sério, que não fazia sentido para mim ficar esperando se eu teria que ir embora em algum momento. E talvez por isso ele não acreditou. Talvez por isso ninguém acreditou, nem eu mesma. Porque todas às vezes que estipulei uma data para partir, desde que decidi ir embora há um ano atrás, algo acontecia e eu postergava. Eu sabia que havia o meu medo muito grande de mudança. Eu sabia que haveria a tristeza de deixar Boston e a maravilhosa família de amigos que ganhei lá. Liguei para o meu irmão na Austrália para saber a sua opinião sobre o que havia acabado de decidir sem pensar. Ele é dotado de muito bom senso e racionalidade, eu precisava saber se estava tomando a decisão certa, mesmo que dentro de mim tudo parecia ter se encaixado. O que andava sentindo parecia finamente ter se alinhado e surpreendentemente eu estava muito feliz com uma decisão que nem passava pela minha cabeça tomar tão cedo. E confirmando o sinal que eu havia pedido para Deus na noite anterior, o meu irmão me disse que era a melhor decisão que eu poderia ter tomado. Dormi muito bem naquela noite. No dia seguinte já havia combinado um plano de quarentena com a minha irmã quando chegasse no Brasil, falado com o meu roommate sobre a mudança, comprado a passagem e ligado para os meus pais para contar. Ver o choro de felicidade deles não tinha preço. Eu sentia cada dia mais que havia tomado a decisão certa. A insatisfação com a rotina de trabalho desde novembro, a saudade que nunca tive e estranhamente comecei a ter do Brasil enquanto a minha mãe me visitava em fevereiro e aquela ansiedade sem explição nos últimos dias eram todos sintomas da minha alma me dizendo que o meu tempo em Boston já havia acabado. Pelo o menos por ora.          Eu só pensava que teria mais tempo para resolver as coisas e ir embora, mas não. O cancelamento dos vôos pelas empresas aéreas fez com que eu tivesse exatamente uma semana para me organizar e me despedir de tudo que era a minha vida até outro dia. Consegui arrumar tudo para ir embora em seis dias. No dia anterior à minha saída de Boston finalmente comecei a derrubar algumas lágrimas e foi também quando o medo que o ego tem de mudar começou a querer me pegar. Dormi pouco naquela noite, nem consegui sair para caminhar de manhã cedo e me despedir daquele lindo bairro no qual felizmente morei quase o meu útlimo ano inteiro. Quando os amigos vieram me buscar para me levar ao aeroporto o carro estava cheio de pessoas queridas e ali já quis chorar de novo. Não era só saudade, era amor. A quanto amor eu era grata naqueles últimos três anos. A quanto crescimento eu devia àquela cidade, a minha amada Boston.Os vôos foram complicados, emocionalmente falando. Num misto de felicidade, tristeza e medo.  Quando a minha irmã me pegou no aeroporto para irmos à chácara do meu pai fazer a quarentena antes que eu vá para a casa da minha mãe em São Paulo, eu ainda não sentia que havia voltado. Havvia uma sensação estranha de que eu não estava aqui no Brasil, mas também não estava lá em Boston.Passei o dia falando com os amigos que ficaram e também com os daqui, pois não disse a quase ninguém que estava voltando, já que eu nem tinha certeza se conseguiria embarcar. À noite tive dificuldades pra domir, mesmo estando exausta das duas ultimas noites mal dormidas. Hoje quando acordei, nesse maravilhoso lugar, o mesmo no qual o livro está estacionado, me dei conta de que realmente não estou lá ou aqui. Não estou no Brasil porque aqui é a minha casa e onde minha família e velhos amigos estão. E não fiquei em Boston porque era onde a minha qualidade de vida era maravilhosa e a minha nova família estava. Carreguei todo o amor que tinha aqui quando fui pra lá e curiosamente fiquei mais próxima das pessoas daqui quando estava lá. E agora carrego comigo aqui todo amor que tenho lá e a cada minuto lembro de tudo e de todos, eles estão bem presentes aqui no meu peito. Fui porque tinha que ir e voltei porque era a hora de voltar.Não, não estou de volta à minha casa. E não, eu não deixei a minha casa lá em Boston. Eu voltei para o Brasil trazendo junto comigo a pessoa que descobri lá. Muito mais do que a saudade do que ficou tenho o amor que trouxe dentro de mim, uma felicidade inexplicável e uma confiança no meu caminho incerto como jamais tive.Eu não voltei para casa, voltei para mim. E ainda vai levar um tempo pra acreditar que nada, mas tudo mudou.  

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